domingo, 3 de janeiro de 2010

Como um sopro

Algum segredo.
Era o que parecia alimentar aquele curioso homem que deu as caras no parque. O presente era de calor, de vento, sei lá. Não lembro muito. Mas recordo-me bem de seu casaco, que agia em completa discórdia com aquele clima. Não falo apenas do clima que estudamos na Geografia, daqueles que vemos previsões todos os dias no noticiário. Falo do clima do ambiente, aquele que sentimos, talvez, com o coração. O cenário em volta era de alegria. Afinal, é o que se espera de um parque, sempre cheio de criança gritando, sujando-se de barro e sorvete, torrando a paciência dos pais e das babás, de uniforme impecável, sem um amassado. O homem, na verdade, representava melancolia.
Chegou ao parque apressado, parecendo que estava buscando algo. Eu não sabia o que ele procurava, e acho que nem ele sabia ao certo. Mas sinto que depois entendi. O homem veio feito um furacão, carregando o mundo nas costas. A aparência que dava é que tinha armazenado um ano inteiro de problemas; de decepções; de derrotas. Usava óculos escuros, mas o pouco de sua face descoberta não me enganou: o traço reto que os lábios faziam, enfiados para dentro da boca, sendo mordidos pelos dentes de uma boca triste, os buracos formados no queixo, na testa; sim, ele estava chorando. Chorava uma angústia guardada, que esperou até a última gota que transbordou.
De ímpeto, tudo mudou e eu finalmente entendi e achei, junto com o homem, o que ele inutilmente procurava. O tempo, uma breve transformação, quase imprevisível, mudou intensamente. As massas de ar deslocaram-se. Árvores, folhas, casacos, crianças, sorvetes, todos loucamente elevaram-se nos ares. Não era uma brisa, nem comuns ventos alísios. Era uma forte corrente, um redemoinho, ciclone quem sabe!
O homem levantou a cabeça, olhou para o nada. Calmamente, pude ver toda aflição ir embora, voar junto com o vento. Enquanto as rajadas atingiam violentamente corpos, no homem ia com leveza. Entendi qual tinha sido o remédio para tanto desprazer. Foi o reencontro. Daqueles que renovam, que te fazem capaz de tudo, que te deixam do tamanho de sonhos não realizados. O cara-a-cara que há muito não acontecia, que o deixou limpo. E solto. A Ventania, uma antiga paixão que surgiu como um sopro e desmanchou um segredo; ela, um amor de sempre, foi a solução de todo aperto que sufocou aquela tarde.

2 comentários:

Carlos Assis disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Assis disse...

Existem coisas que conseguimos enxergar com olhos de ver; outras, com olhos de sentir. Assim como existem palavras para exprimir aquilo que serve aos fins práticos, corriqueiros e de valor menor; e aquelas para expressar a beleza que reside nos mistérios, nos segredos.
Esse texto e esse desenho personificaram o Vento e os mistérios que o acompanha.

Parabéns aos dois.